10.17.2018

NÃO SILENCIE



Ela estava caminhando de mãos dadas. Tinha que apertar bem forte as mãos dele, porque ela sabia que tudo estava quase perdido. Democracia era só uma palavra bonita usada há muito tempo atrás. Ela estava caminhando de mãos dadas, apreensiva. Tudo havia chegado longe demais.
Ele havia dito para ela não discutir, para não encher suas redes sociais de postagens em nome da educação que agora era substituída pelo mito. Ele não entendia que essa atitude significaria calar um grito que precisava ecoar até Deus ouvi-la e dizer que ela estava certa. Dizer que o povo não escuta mais a voz do poeta, mas ele ainda faz versos cheios de lágrimas e sangue porque não é capaz de pegar em uma arma. Ele não entendia que sofrer para ela sempre foi sua sina, seu grande carma. Mas ela sofreria mais se não pudesse defender o que ela acreditava.
Céus, como ela o amava! O mundo estava desabando ao seu redor e ela apertava as mãos dele para ele não se sentir só enquanto o sangue escorria pelo seu peito. Ele era negro. A História diz que não tem jeito. O pobre luta e continua sem um pedaço de pão. A mulher luta pelo respeito, pela razão. O gay luta para sair do armário sem se sentir em uma grade ainda maior. O judeu luta para não se sentir só. A gente grita até desatar o nó.
Ela era pranto e ele era tanto, mas agora parecia tão pequenino diante daquele mar vermelho. Os culpados correram e gritaram que eram deles o mundo inteiro. Ela ficou com seu amor afogado em um rio de morte. Antes todos diziam que a união deles era uma grande sorte. Mas o mundo está perdido; endureceram os corações. O mundo está perdido! É o ódio que está vencendo as eleições.
O mundo está perdido e uma mulher chora a morte de quem ama sem poder fazer nada! O mundo está perdido e alguns pensam que é momento de dar risada! O mundo está perdido e quem diria que estaríamos lutando para as pessoas verem que é com amor que se educa. O mundo está perdido ou sou eu que estou ficando maluca?
Ela viu seu amor indo embora enquanto o abraçava na praça que um dia se conheceram. Ele nem teve tempo de dizer que a amava. O tempo é privilégio dos que venceram. Ela chora e se sente impotente porque se há algo sem solução é a chegada da morte. Ela chora porque fez tudo o que ele disse para ela não fazer e agora ele encontra esse caminho sem sorte. Ela chora mesmo depois de os paramédicos o ressuscitarem e dizerem que vai ficar tudo bem.
Ela chora porque passou tempo demais acreditando no poder da esperança. Chora porque se sente criança outra vez, mas quando ele abre os olhos, ela entende.
Por mais injusto que seja o golpe. Por mais unidos que estejam os opressores, ainda há chance, senhores. Os paramédicos estavam de branco e agora estão cobertos de vermelho. Ela entende que seu amor irá se curar e eles lutarão mais uma vez juntos. Ela entende que tudo fica bem, mesmo se a gente cansa de acreditar. O mundo dá um jeito de se ajeitar. O mundo dá um jeito de se ajeitar.
Mas se não fosse o grito dela acordando os moradores. Todos continuariam na comodidade de seus lares e seu amor morreria ali mesmo sem assistência. Se não fossem os homens de branco. Se não fosse a luta, a paciência. Seria sim, tarde demais. Então grite, grite o mais alto que for capaz.

                                                                                             Luciana Braga

                                
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