Ela estava caminhando de mãos
dadas. Tinha que apertar bem forte as mãos dele, porque ela sabia que tudo
estava quase perdido. Democracia era só uma palavra bonita usada há muito tempo
atrás. Ela estava caminhando de mãos dadas, apreensiva. Tudo havia chegado
longe demais.
Ele havia dito para ela não
discutir, para não encher suas redes sociais de postagens em nome da educação
que agora era substituída pelo mito. Ele não entendia que essa atitude
significaria calar um grito que precisava ecoar até Deus ouvi-la e dizer que
ela estava certa. Dizer que o povo não escuta mais a voz do poeta, mas ele
ainda faz versos cheios de lágrimas e sangue porque não é capaz de pegar em uma
arma. Ele não entendia que sofrer para ela sempre foi sua sina, seu grande
carma. Mas ela sofreria mais se não pudesse defender o que ela acreditava.
Céus, como ela o amava! O mundo
estava desabando ao seu redor e ela apertava as mãos dele para ele não se
sentir só enquanto o sangue escorria pelo seu peito. Ele era negro. A História
diz que não tem jeito. O pobre luta e continua sem um pedaço de pão. A mulher
luta pelo respeito, pela razão. O gay luta para sair do armário sem se sentir
em uma grade ainda maior. O judeu luta para não se sentir só. A gente grita até
desatar o nó.
Ela era pranto e ele era tanto, mas
agora parecia tão pequenino diante daquele mar vermelho. Os culpados correram e
gritaram que eram deles o mundo inteiro. Ela ficou com seu amor afogado em um
rio de morte. Antes todos diziam que a união deles era uma grande sorte. Mas o
mundo está perdido; endureceram os corações. O mundo está perdido! É o ódio que
está vencendo as eleições.
O mundo está perdido e uma mulher
chora a morte de quem ama sem poder fazer nada! O mundo está perdido e alguns
pensam que é momento de dar risada! O mundo está perdido e quem diria que
estaríamos lutando para as pessoas verem que é com amor que se educa. O mundo
está perdido ou sou eu que estou ficando maluca?
Ela viu seu amor indo embora
enquanto o abraçava na praça que um dia se conheceram. Ele nem teve tempo de
dizer que a amava. O tempo é privilégio dos que venceram. Ela chora e se sente
impotente porque se há algo sem solução é a chegada da morte. Ela chora porque
fez tudo o que ele disse para ela não fazer e agora ele encontra esse caminho
sem sorte. Ela chora mesmo depois de os paramédicos o ressuscitarem e dizerem
que vai ficar tudo bem.
Ela chora porque passou tempo
demais acreditando no poder da esperança. Chora porque se sente criança outra
vez, mas quando ele abre os olhos, ela entende.
Por mais injusto que seja o
golpe. Por mais unidos que estejam os opressores, ainda há chance, senhores. Os
paramédicos estavam de branco e agora estão cobertos de vermelho. Ela entende
que seu amor irá se curar e eles lutarão mais uma vez juntos. Ela entende que
tudo fica bem, mesmo se a gente cansa de acreditar. O mundo dá um jeito de se
ajeitar. O mundo dá um jeito de se ajeitar.
Mas se não fosse o grito dela
acordando os moradores. Todos continuariam na comodidade de seus lares e seu amor
morreria ali mesmo sem assistência. Se não fossem os homens de branco. Se não
fosse a luta, a paciência. Seria sim, tarde demais. Então grite, grite o mais
alto que for capaz.
Luciana Braga