1.08.2019
O convite chegou às
minhas mãos escrito em letras garrafais. Eu recebera um lugar de honra na
festa. Um lugar que eu sabia que merecia, mas jurava que haviam esquecido. As pessoas
esquecem tanto... Abraços são apagados, laços desfeitos... E os beijos? Os
beijos se perdem na escuridão das bocas que um dia se juntaram. Eu já estava
acostumada a não ter tanto. Eles nem se manifestavam. Não mandavam cartas, e-mails,
não deixaram por escrito o quanto me amavam. Às vezes, a gente precisa disso,
sabe... Precisa ler para acreditar. O homem que eu amo me disse ontem antes de
eu dormir que eu era bonita e que ele me amava. Pedi que repetisse. Pedi que
repetisse. Pedi tanto que ele dormiu e eu fiquei no anseio de ouvir mais. É que
tem dias que eu simplesmente não sou capaz de saber. E eu preciso entender que
sou além do que o espelho me mostra.
Ontem eu saíra de casa
tão decidida. Ia provar um vestido de festa. Ia me sentir igual a Cinderela. Ia
Ser. Não fui. Fiquei sentada no banco negro do carro alugado sentindo-me
inútil. Sei que dirão que é futilidade de mulher querer caber em um vestido e
se sentir bela, mas quem pensa assim simplesmente não entende as lutas que
passamos todos os dias. O noticiário já noticiou o corpo perfeito, as revistas,
os jornais, os sites de moda, os amigos, os pais. Todos estão juntos para te dizer
que teu corpo não cabe no vestido. As curvas são bonitas nas montanhas, mas
elas não cabem no vestido. O ventre que te guardou por nove infinitos meses
também não cabe no vestido. Tua bunda elogiada por tantos e fruto de inveja de
algumas não cabe nele também. Não cabe nada que você tem! A mim me parece que
no vestido só cabem os ossos de um corpo morto que cansou de caber e se foi
para um mundo sem medidas.
Cansei de ir de loja em
loja e ouvir da moça incrivelmente magra
que “aquele vestido não é para você”, “tente um número maior”, “o que acha de
um preto, preto disfarça, não?”. É que às vezes, eu quero a cor do céu em mim. É
que às vezes minhas amigas magras sofrem também e vocês oferecem o “branco que
engorda” e tudo o que elas queriam era o
básico da noite, mas vocês disseram que elas ficam “escorridinhas”. Pasmem,
elas também sofrem. Eu sei que todas sofrem. Eu sei que todas sentem. Eu sei
que todas ressentem de não ter o corpo que se adapta a qualquer vestido
sonhado. Eu sei que todo corpo já se sentiu humilhado. Mas é que tem dia que eu
queria mesmo era sair nua feito louca gritando “meu corpo não me defiiiiine”. Que
Deus nos redima porque eu já nem sei para onde ir.
Desisti de ouvir
negativas. Eu só queria a mágica da fada madrinha em mim. Que ela transforme
minhas frustrações, minhas inseguranças, minhas desconfianças dos elogios de
quem vê beleza em mim. Que ela me transforme assim num passe de pura magia. Que
ela me devolva a alegria, porque ontem eu dormi chorando. Não é só um vestido,
é o mundo todo te recriminando e dizendo que a culpa é tua. Comer então parece
crime, mas é tão bom. Todo pecado dá prazer e eu quero sentir. Eu quero sentir.
Eu quero evoluir as mentes alheias, mas ainda não entendi a minha. Eu não quero
morrer sozinha. Eu só quero olhar para o espelho e não enxergar meus olhos
tristes.
Eu sei... É um percurso
lento. Agora eu quero apagar cada pensamento de negatividade que havia em mim. Meu
corpo é morada do meu Eu. E tenho sido tão indelicada com ele. Não falo de
exercícios que não fiz porque prefiro ler tomando chocolate quente. Não estou
me referindo a cortes severos na pele cujo sangue já nem goteja mais. Eu falo
das palavras que disse tantas vezes que o deixaram sem brilho. Meu corpo já nem
sente aquele arrepio. É que eu repeti para ele que ele tá fora de tudo o que o
mundo chama de “perfeito”. Ele chorou do seu jeito e disse que nunca mais
caberia em vestido algum.
Vestidos são amarras
que a sociedade gruda no nosso corpo feito cola super bonder que parece que não
sai nunca mais. Contudo, eu juro que sou capaz. Sou capaz de sair sem me
diminuir. Sou capaz de pegar todos os modelos de vestidos e cores e dizer para
eles e para as vendedoras que de agora em diante vestirei o que eu quiser. Não importa
se tiver uma fenda enorme na perna desde que haja um sorriso estampado em meu
rosto para combinar. Quem disse que gordas nasceram para usar decotes...E se eu
não quiser mostrar? O corpo é meu e eu estou no comando. Uso preto, vermelho,
azul, rosa e branco. As cores são parte da minha palheta pessoal. Sou eu que as
manipulo.
Hoje eu dei um pulo da
cama e me olhei sorrindo ao espelho. O corpo acostumado a ouvir que é um
pesadelo se assustou. Eu sorri de novo e ele se espreguiçou. Dei gargalhadas e
ele se endireitou. Eu consegui me ver direito. Meninas, não existe corpo perfeeeeito.
Existe o meu, o teu, o nosso corpo pedindo um sorriso diário. Mas e se o
próximo vestido também não couber? Irá perder a fé?
Então, eu me vestirei de flores e sairei para
dançar.
Luciana Braga