4.30.2019
Era um sábado ensolarado e o meu
voo estava atrasado como de costume ou era eu que tinha chegado cedo demais. Eu
corria com a mala que não quisera despachar. Odeio essas burocracias de
aeroporto, mas parece que isso acalma os responsáveis, então danço conforme a
música. Estava tudo tão tediosamente igual, a não ser pelo fato de que nenhum
parente viera se despedir de mim dessa vez. Trabalhos são mesmo tediosos e por
mais que a gente queira se desprender deles de vez em quando, eles nos prendem
como um inseto em uma teia de aranha. Não adianta se debater. Cedo ou tarde,
ela nos devora e fim.
Eu estava procurando o fone de
ouvido para me desprender dessa realidade e fugir para o universo projetado por
Florence and the Machine. Foi então
que ouvi uma voz grave que a tempos não ouvia. Fingi que não era nada, fingi
que não sentia um palpitar diferente. Ele se aproximou como quem acabara de
ganhar a loteria: eufórico. Nosso abraço durou mais do que o politicamente
correto. Não existe tempo programado para a saudade. Eu apenas me deixei levar.
Comecei a me importar com o fato de não ter me arrumado, de não ter me penteado,
de não ter colocado a máscara da beleza matutina, se ela que ela ainda existe. Eu
me prendi a detalhes enquanto ele apenas sorria. Eu não lembro o que ele
vestia, mas imagino o que ele sentia porque de repente comecei a senti o mesmo.
Fomos jogados para o passado de
nossas viagens juntos. A gente ria de banalidades, corria contra o tempo e
simplesmente falávamos de tudo, mesmo não tendo muito em comum. Às vezes, tudo
o que precisamos é de alguém que nos escute e se essa pessoa nos olha com olhos
de apaixonado, melhora o fato de compartilharmos tanto sem conhecer quase nada
sobre o outro. A vida tem dessas coisas. Aproxima sem perceber. Diz que é sem
dizer. Une mantendo separado. A vida ou o amor nos deixa em um estado de
anestesia momentânea. Eu estava em pânico e agradecia o fato de não ter
esquecido meus óculos escuros. É que meus olhos me denunciariam e diriam que eu
senti saudade.
Eu não gosto de dizer tudo. Eu sou
adepta do silêncio. Eu prefiro iniciar um jogo em que lanço segredos, charadas,
cartas marcadas no meu baralho pessoal. Eu gosto de metáforas. Nunca fui boa em
dizer com clareza o que se passava na minha cabeça. Então eu uso a linguagem
difícil que aprendi na faculdade e que aos poucos nem eu mesma sem como se
escreve. Eu não sei como é que se deve reagir quando o passado nos pergunta
como estamos. Será que eu deveria dizer que estou bem? Mas não estou definitivamente.
Será que eu deveria confessar meus medos? Mas nem eu mesma os entendo. Será que
eu deveria apenas sorrir? Mas e se ele continuasse perguntando? E se eu saísse
correndo e ele viesse sentar ao meu lado? Eu não sei quem é o culpado. Tudo o
que sei é que um dia ele me confessou seu amor e eu falei sobre o impossível.
Não entendo o que faz a gente
amar nesse mundo. Qual é o desejo profundo que esse deus tem de nos fazer
reviver nossas fraquezas sempre que desejamos abrir o coração? Assistindo série
médica, aprendi que isso tudo é exagero da linguagem. Esse órgão é apenas uma
bomba relógio, mas eu gosto do efeito que ele criou dentro de mim, mesmo sem
poder. Eu gosto de ouvir um “eu amo você”, mesmo quando não estou preparada
para dizer de volta. Será que sou egoísta a esse ponto? Será que não há um
contraponto nisso tudo. Ele se abre e eu fecho as janelas que iluminavam sua
vida, mas ele continua ali sentado esperando. Por que o mundo continua mudando
e algumas pessoas insistem em manter um sentimento sem sentido vivo dentro
delas? O que as faz viver assim? Eu também já fiz isso e terminei com o peito
sangrando. Eu sei que estou divagando, mas ele me disse coisas maravilhosas que
eu nunca pude esquecer.
Nosso voo era o mesmo e eu não
queria chegar a lugar nenhum, mas ele precisava me ouvir. Sua voz ainda era a
mesma. Os obstáculos estavam mais fortes do que nunca, mas por que diabos ele
não parava de sorrir? Que efeito doido é esse que causamos nas pessoas que as
deixa assim feito herói sem escudo? Eu quero gritar para ele descer desse avião
e pegar um trem. Quero dizer a ele que nem sempre o meio mais rápido é o mais
seguro. Eu quero pedir para ele prestar atenção à todas as estações da vida
dele. Eu quero dizer tanto e não digo nada porque ele não para de dar risada e me
puxar pela mão para um passado em que mãos dadas era tudo o que ele poderia ter
nesse mundo. Eu queria ter dito bem lá no fundo, mas tudo o que saiu foi um até
breve. É que não sei se a gente deve partir um coração mais de uma vez sabendo
que ainda vive dentro dele.
Luciana Braga