7.20.2016

AQUELE DE OLHOS TERNOS E SABOR DE VINHO




Eu o vi no meio da multidão, mas não o reconheci de imediato. Era o mesmo, mas era outro. Não era aquele que me olhou outrora com olhos ternos. Cabelos esvoaçantes, olheiras que não tinha antes, barba a esconder parte do seu sorriso encantador. Quem é esse que me abraça de um jeito assustado e retraído? Quem é esse, de onde ele tem saído? Será que foi de uma lembrança? De um sonho? De um devaneio afinal? Quem é esse que se apresenta como se fosse amigo de longa data? Quem é esse cujo meu coração desata? Não, não é aquele a quem um dia entreguei meu amor... Quem é afinal, explica-me, por favor?
Aproximo-me sem reservas. Peço que ele sente-se perto de mim. A dúvida termina enfim. Há uma doçura em seu olhar, mas ela se oculta por puro medo. Esses olhos já viveram em desespero. Esses olhos vagam sem sair do lugar. Há uma escuridão dentro deles e, ao mesmo tempo, eles me devolvem a luz. Esses olhos que outrora me conduziram à beira da praia. Esses olhos que junto dos lábios davam altas risadas. Antes diziam tanto; hoje não dizem nada.
Contaste-me todos os teus segredos; ouvi com muita atenção. Houve um momento em que segurei bem leve a tua mão, mas você se afastou por reserva ou por choque do meu calor. As suas mãos frias esqueceram-se do nosso amor. Elas não param de mexer nessa barba estranha que me assusta e me afasta. Elas não param de anunciar que um plano diabólico pode estar sendo tramado em seu pensamento. Essas mãos calejadas ultrapassaram as barreiras do tempo.
Então, depois desse toque do meu verão com o teu inverno. Meu corpo sai e caminha de volta àqueles tempos. Seus olhos calmos, serenos, cabelos encobrindo o rosto, a voz pausada, a poesia... Aquele tempo em que eu o via quando a luz do dia desaparecia. Aquele tempo em que caminhávamos enquanto muitos dormiam. Aquele tempo em que tu me sorrias enquanto eu dormia de olhos abertos. Eu era tão espontânea, tu me disseste uma vez, enquanto a chuva molhava nossos cabelos sem pedir permissão. Tu me olhavas e me ensinava a direção. Meu coração era teu e era meu teu coração.
Retorno e encontro um Outro sentado na minha frente. Ele tem teus olhos, teu sorriso, teu corpo, tuas palavras, mas ele não é aquele que eu amei. Ele é Outro; ele fala de hábitos novos; ele não me toca. Esse estranho não sabe o quanto chorei por ti; ele me olha com medo e diz que eu não sou feliz. Ele me olha com reservas e me manda voar além. Ele fala de Deus e de tantos outros. Fala sobre tudo e não me revela nada. Ele chora e por dentro parece dar risada.
Volto outra vez para o som do violão. Vinho nos lábios, areia nos pés, um tronco de coqueiro embaixo de nós. Parecia um banco tão romanticamente providenciado. Eu rodopiava, você sorria. Eu dançava, você me seguia.
Olhamos ambos para a mesma direção. Nosso corpo palpitava. Parecia que o mundo observava nossa felicidade. Eu podia ouvir as batidas do teu coração. Eu estremeci quanto teus lábios vieram de encontro aos meus. Eu me entreguei quando você sugou minha verdade. Nosso beijo era o mar que leva os pescadores para bem distante. Nosso beijo era o sol radiante. Nosso beijo era o brilho da estrela a iluminar o céu. Nosso beijo foi o momento que eu quis pausar. Nosso beijo foi sublime demais para duas almas atormentadas.
Lembro-me do gosto de vinho, da fumaça do cigarro, do violão, do inebriante sabor. Nunca mais senti essa gloriosa sensação. Agora estou aqui na tua frente e não te reconheço. Digo que és o mesmo, mas não és. Será que agora fui eu quem perdeu a fé?
Caminhas pela cidade, entra em prédios antigos e se confunde com toda essa história. Nosso amor se perdeu nessa poeira que tanto te fascina. A saudade de tudo o que não volta é o que te alucina. O desejo de reviver é que te tornou tão diferente. Eu não sou presa, mas não sou livre, sou consciente. Antes, tu me levavas para longe e me permitia sonhar. Agora eu não te encontro mais. Esse não é aquele. Aquele já não me satisfaz.
Volto e ouço uma indagação curiosa: Será que sou louca ou sou apenas mais uma rosa? Será que sou comum ou será que possuo algo de diferente. O passado confunde a gente. O passado chega de repente. Ele nos rouba as lembranças e as leva para longe. O presente é perigoso. Viver é complexo, é desumano. Eu não quero olhar para Esse que já não me reconhece. Quero aquele beijo que minha mente nunca esquece. Quero encontrar aquilo que nunca imaginei. Eu tenho medo de ter perdido tudo o que eu nem sabia que tinha.
Estranho, eu também quero ser Deus. Eu quero ter o poder de te trazer de volta para mim. Quero nossas noites de voz no silêncio da escuridão. Quero caminhar contigo com medo de perder a direção. Quero teus olhos ternos. Quero tua voz e teu sorriso. Quero tudo o que Esse não me oferece. Eu quero o precipício.

Convida-me para teu mundo, mas não espera que eu vá te seguir. O mundo ficou vazio sem você aqui. A vida já não é vida. A saudade já não me deixa sorrir. Eu quero o canto das sereias. Quero afundar naquele beijo. Quero esquecer tudo e reviver; esse seria meu último desejo.

Luciana Braga
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