Éramos dois estranhos caminhando
na mesma direção. Dois estranhos que se cumprimentaram friamente e prometeram
para si mesmos não se encarar. Dois estranhos que no passado se amaram até
perder a respiração. Agora se atrapalham com um simples toque de mão e se
perdem em um olhar.
Eu falei primeiro. Contei sobre
meu trabalho, minhas conquistas medíocres, meus novos sonhos e anseios. Ele
como sempre me observou e, sem rodeios, contou sobre o rumo que sua vida tomou.
Quando o silêncio se alastrou, o
desespero atacou o íntimo de ambos. Queríamos gritar. Queríamos dizer que
aquele encontro não fazia sentido algum. Eu queria dizer que o passado não
volta, que se decidimos seguir em frente, não adianta olhar para trás.
Contudo, preferimos olhar ao
redor e observar a simplicidade da vida alheia. Sentimos que nossa vida é tão
passageira. Pensamos em esquecer todas as formalidades e nos atracarmos ali
mesmo, sem receio, sem reservas.
Apenas dois estranhos que antes
se amaram loucamente. Dois estranhos que se afastaram de repente. Dois
estranhos que o tempo decidiu reaproximar. Estranhos que esqueceram como é
amar. Que se esqueceram do som da voz. Estranhos que se acostumaram a caminhar
sempre sozinhos. Estranhos que perderam noites em bares ou à meia luz de um
abajur. Estranhos que antes se perdiam com o corpo nu.
Cansados de olhar para os outros,
olhamos para nós mesmos. Falamos sobre quilos adquiridos em rodízios
lotadamente solitários. Falamos sobre cabelos que antes eram curtos, cacheados,
e agora tão diferentes, tão estranhos. Será que perdemos nossa identidade ou nunca
a tivemos afinal?
As mãos trêmulas não se afastam
do corpo. O nervosismo toma conta gente. Dois estranhos em uma praia tão
familiar. Dois estranhos que se esqueceram de como começar. Estranhos demais
para se aproximar. Estranhos demais para se arrepender. Estranhos para um
dizer: Eu senti falta de você. Estranhos para deixar as lágrimas de
arrependimento surgirem afinal. Dois estranhos com o mesmo ideal.
O tempo passou e a despedida veio
assustadoramente precoce. Atrapalhamo-nos e o abraço pareceu um esbarrão. Até
que eu senti o acelerar do seu coração. Até que ele apertou finalmente a minha
mão. Até que meus olhos pararam de desviar; até que nossos lábios pudessem se
encontrar.
Um beijo entregue como um devedor
paga uma dívida de muito tempo atrás. Um beijo que depois e tornou sina. Um
beijo adulto com gosto de beijo de menina. Um beijo certo, apaixonado, sem
pudor. Um beijo entre dois estranhos com sentimento familiar. Um beijo sem
pressa para acabar...