7.17.2021

COMO UMA REPRISE DAQUELE DIA


 A mensagem veio diferente. Não ligaram para o telefone fixo. Ninguém faz mais isso nos dias de hoje. A gente envia uma mensagem pelo WhatsApp e as pessoas respondem enquanto fazem outras coisas no mesmo momento. Ninguém tem mais tempo para ligar para os outros e se demorar ao telefone e eu sinto tanta falta disso.

Pediram que eu consolasse a minha mãe. Sempre me pedem isso e está certo. Ninguém se pergunta se eu precisaria em algum momento de consolo e eu não reclamo. Vou na hora. 

Eu a amparo em meus braços. Torço para ela não cair porque eu mal consigo com o peso do meu próprio corpo. Ela se senta e suas mãos tremem no meio das minhas sempre frias. Não sou eu quem está morta, é ele. E faz tanto tempo que não o vejo. Eu não derramo uma lágrima por ele e isso é tão triste. 

O que me deixa assustada é o fato de saber que terei a chance terrível de seguir o mesmo caminho daquele cemitério que me lembra o do Pôr do sol de Lygia, mas não tem crianças brincando ao longe. Não tem nenhum infante em lugar algum. Enterro não é lugar de criança. Todas ficam em casa enquanto seus pais cumprem esse ritual funesto de enterrar os seus. 

Ouço que minha família ainda é unida e sorrio por dentro me perguntando onde? Não vejo nenhum deles comigo quando sofro de verdade, mas quando alguém liga no meio da noite; temos que ir, não é mesmo? E eu sempre vou.

Quando entramos por aquele portão já aberto que aposto que range ao ser fechado, eu me pergunto se o espírito Dele me vê ao longe e reclama pela minha ausência, mas estou tão focada em segurar a mão trêmula da nossa mãe. E ele também me entende. Ele sempre me entendeu sem dizer palavra. 

Caminhamos em fila sem saber o caminho. E eu observo o caixão sendo carregado pelos filhos abandonados por um pai que partiu sem aviso. Sinto muita pena deles. Ao mesmo tempo, sei que eles tiveram mais sorte do que eu. Ao menos tiveram um pai. Eles repetiram isso em grupo em alto e bom som, com muito orgulho, enquanto eu ensaiava mentalmente um discurso que não verbalizei. 

Caminhamos todos em silêncio e nesse momento ninguém chora, apenas acompanha os homens suados carregando um enorme caixão com detalhes dourados. Não há espaço para os parentes andarem e subimos em cima das tumbas morrendo de medo de alguma desabar e ficarmos expostos ao contato frio e inusitado da morte. Chegamos. 

Minha mãe quer ver de perto. Sobe em uma tumba de mármore. Será pecado? Ela só quer ver despejarem a primeira pá de terra. Como se só assim ela fosse acreditar que seu parceiro de brincadeiras infantis tinha mesmo abandonado ela e sua irmã que chora desconsoladamente ao longe. 

Término do ritual. Todos se abraçam mesmo sem poder abraçar. Dão as mãos mesmo sem poderem tocar devido a pandemia e por trás das máscaras só enxergo a tristeza e a leveza de que foi mesmo um ritual bem bonito. 

Afasto-me segurando a mão da minha mãe e meu irmãozinho fica frustrado por não termos visto sua cruz abandonada ali dentro no meio de tantas outras cruzes absolutamente solitárias.


Luciana Braga

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