3.11.2014

DESPEDIDA






Se eu morresse hoje e os meus desejos significassem alguma coisa para os que aqui ficassem, esse papel seria como uma carta de despedida. Testamento não! Pois, não sou uma mulher de grandes fortunas. Tudo o que possuo, cabe dentro de mim somente e quando eu me findar irá comigo para a eternidade: é o meu fôlego de vida. Já que nem ao menos as roupas que eu visto, posso considerar verdadeiramente minhas.
Ah! Antes que eu esqueça, tenho outra coisa muito valiosa que posso considerar minha: meus poemas. Meus pobres, simples e singelos poemas. São meus! Ninguém pode dizer o contrário, pois saíram de dentro da minha alma e esta também me pertence. Vês quantas coisas novas acabei de descobrir que possuo! Mas, será que meus pensamentos são verdadeiramente meus? Não, acho que não! Visto que os desperdiço tanto pensando em outras pessoas, ou melhor, aproveito-os, já que ficar pensando em mim é demasiadamente chato.
Afinal, quem eu fui? Quem eu sou? E já que estou admitindo que essa seria uma carta de despedida, nada mais serei...
Talvez estejam certos, aqueles que dizem que eu sou uma pessoa muito estranha, chata e esquisita. Talvez estejam certos ou talvez não!
Então para que estes não fiquem conhecidos como mentirosos, cometerei a minha última estranheza. Ou melhor, não cometerei, visto que é apenas um pedido.
O fato é que eu sempre achei os velórios extremamente tristes, mesmo quando o defunto tinha sido um palhaço em vida, nem assim lembravam-se dele com um sorriso no rosto, talvez seja a dor da partida...
Mas, eu quero fazer diferente. Não quero flores, pois para arrancá-las é necessário matá-las e, além disto, elas murcham tão rápido. Portanto, quero versos por toda a parte, para que a última lembrança que as pessoas guardarem do meu rosto pálido e sem vida, esteja ao lado um eterno poema de Drummond... Aquele:

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de cinco em cinco minutos
me digas: Eu te amo.

Seria divino, além de Drummond, também Camões, Cecília Meireles, Rui Vieira, Vinícius de Moraes, enfim... Podem até tirá-los dos meus cadernos, não terão trabalho algum, a não ser o de destacar as folhas.
Ah! Ia me esquecendo dos meus pobres, simples e singelos poemas. Eu poderia dizer que deixaria cada um deles para um amigo sincero. E confesso que se fosse citá-los, não gastaria muitas linhas, visto que são realmente poucos.
No entanto, admito que sentiria saudade da minha pobre mãe e de suas lágrimas em abundância que seriam derramadas. A minha doce irmã e a sua sensação de derrotada por não ter conseguido me salvar de mim mesma. Meus outros irmãos, sobrinhos e afilhados.
E ele... Sim, ele sofreria tanto ou mais que todos. Ele beijaria a minha mão como faz todos os dias. Ele me olharia nos olhos, mas não veria mais o brilho do meu olhar. Ele não conseguiria deixar de me amar. E para sempre de mim ele iria lembrar.

Luciana Braga
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